segunda-feira, 19 de abril de 2010

Perto do Coração Selvagem


“E sempre no pingo de tempo que vinha nada acontecia se ela continuava a esperar o que ia acontecer.”

“Talvez fosse apenas falta de vida: estava vivendo menos do que podia e imaginava que sua sede pedisse inundações. Talvez apenas alguns goles...”

“... a única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais (...) Perco a consciência, mas não importa, encontro a maior serenidade na alucinação. É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.”

“Mesmo só em certo ponto do jogo perdia a sensação de que estava mentindo – e tinha medo de não estar presente em todos os seus pensamentos.”

“Ela morreu assim que pôde.”

“Também me surpreendo, os olhos abertos para o espelho pálido, de que haja tanta coisa em mim além do conhecido, tanta coisa sempre silenciosa.”

“Em vez de me obter com a fuga, vejo-me desamparada, jogada num cubículo sem dimensões, onde a luz e a sombra são fantasmas inquietos. No meu interior encontro o silêncio procurado. Mas dele fico tão perdida de qualquer lembrança de algum ser humano e de mim mesma, que transformo essa impressão em certeza de solidão física. Se desse um grito – imagino já sem lucidez – minha voz receberia o eco igual e indiferente das paredes da terra. Sem viver coisas eu não encontrei a vida, pois? Mas, mesmo assim na solitude branca e limitada onde caio, ainda estou presa entre montanhas fechadas. (...) Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.”

“Ainda não se cansara de existir e bastava-se tanto que às vezes, de grande felicidade, sentia a tristeza cobri-la como a sombra de um manto, deixando-a fresca e silenciosa como um entardecer. Ela nada esperava. Ela era em si, o próprio fim.”

“Um dia, depois de viver sem tédio muitos iguais, viu-se diferente de si mesma. Estava cansada. Andou de um lado para outro. Ela própria não sabia o que queria. Pôs-se a cantar baixinho, com a boca fechada. Depois cansou-se e passou a pensar em coisas. Mas não o conseguia inteiramente. Dentro de si algo tentava parar. Ficou esperando e nada vinha para ela. Vagarosamente entristeceu de uma tristeza insuficiente e por isso duplamente triste. Continuou a andar por vários dias e seus passos soavam como o cair de folhas mortas no chão. (...) Na verdade ela sempre fora duas, a que sabia ligeiramente que era e a que era mesmo, profundamente.”

“E foi tão corpo que foi puro espírito. Atravessou os acontecimentos e as horas imaterial, esgueirando-se entre eles com a leveza de um instante.”

“As coisas principais assaltavam-na em quaisquer momentos, também nos vazios, enchendo-os de significados.”

"A noite densa e escura foi cortada ao meio, separada em dois blocos negros de sono. Onde estava? Entre os dois pedaços, vendo-os – o que já dormira e o que ainda iria dormir – isolada no sem-tempo e no sem-espaço, num intervalo vazio. Esse trecho seria descontado de seus anos de vida.”

“Às vezes seus passos erravam na direção, pesavam-lhe, as pernas mal se moviam. Mas ela se empurrava, guardava-se para cair mais longe.”

“O silêncio se prolongava à espera do que pudessem dizer. Mas nenhum dos dois descobria no outro o começo de uma palavra. Fundiam-se ambos na quietude.”

"...tu és um corpo vivendo, eu sou um corpo vivendo, nada mais. (...) cada um com um corpo, empurrando-o para frente, querendo sofregamente vivê-lo."

Clarice Lispector

domingo, 11 de abril de 2010

Caio Fernando Abreu

"Loucura, eu penso, é sempre um extremo de lucidez. Um limite insuportável. Você compreende, compreende, compreende e compreende cada vez mais, e o que você vai compreendendo é cada vez mais aterrorizante – então você ‘pira’. Para não ter que lidar com o horror.”

Caio Fernando Abreu

sábado, 10 de abril de 2010

Correspondências - Clarice Lispector


"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de viver qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. (...) é somente até certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias."

"Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. (...) para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos."

"Respeite a você mais do que aos outros. Respeite suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você – não queira fazer de você uma pessoa perfeita – não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver. (...) o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma."

Clarice Lispector

segunda-feira, 5 de abril de 2010

C.D.

Há cordas no coração que melhor seria não fazê-las vibrar.

Charles Dickens

sexta-feira, 2 de abril de 2010

ACASO?

O acaso é o maior romancista do mundo...

Balzac